(Conto para a disciplina de Construção de Narrativas da faculdade)
Por Daniela Costa
Não entendia o que na verdade acontecera. Era muito cedo e não conhecia nenhuma das pessoas que ali estavam, achei que fosse um sonho e voltei a dormir. Acordei novamente e me deparei com elas de novo, estavam desta vez encapuzadas. Quieta em meu canto, comecei a observar o buraco que estava.
A casa era escura, cheirava a vazamentos, o som de goteiras era evidente, podia sentir uma a uma caindo naquele chão gelado. Era um dia frio, nublado, chuva na janela. Aqueles dias que entristecem a alma sabe? Olhei ao meu redor essas pessoas que falei no inicio me observavam como se eu estivesse fazendo algo errado. Mas como, se nem sabia o porque estava ali?
Do nada me veio a imagem de pessoas queridas a cabeça. Era só isso que conseguia pensar, no quanto eu gostaria de estar na minha casa como todos os outros dias e flashbacks me vinham com situações engraçadíssimas e ri alto. Só ouvi a voz: “Cale a boca, menina!"
Foi como se a partir daquele momento a ficha tivesse caído. O medo tomou conta de mim e duvidas perambulavam na minha cabeça: ”O que estou fazendo aqui? Por que eu? Como vim para cá? Tenho apenas 13 anos de idade, o que querem comigo? ”Com muito medo, coisas horrendas passaram em minha cabeça, como: “Será que eles querem abusar de mim? E aquela história de trafico de crianças que vi outro dia no noticiário da TV junto com a mamãe?
Bom, algo me dizia: “Isabela, mexa-se. Seja o que for, você precisa sair daqui”. E só me passava isso na cabeça. Então comecei a arquitetar meu plano minuciosamente, acho que essa a palavra (risos).
Enquanto a única mulher do bando ia buscar algo para comer, comecei a vasculhar os cantos daquele muquifo, mas sem fazer barulho algum. Ao que ouvi passos distantes, tratei de voltar a minha posição, sentada em um colchão fino e sujo.
A mulher me olhara de maneiraes, me observava como se analisasse algo. Aquela sensação de ser observada me dava um frio na espinha. Afinal, não sabia o que se passava em seus pensamentos. Comia aquela comida, sem sal e aguada com um desdenho, mas não me tinha outra alternativa: “Ou comia aquilo ou ficava com fome”.
Adormeci ou melhor fingi que adormeci para tentar ouvir algum dialogo. Eis que quando acharam que realmente dormi, cochichos começaram. A vontade de olhar os seus rostos era imensa, mas não podia, tinha que ser paciênte naquele momento.
Um homem dizia nervoso: “Olha onde nos meteu? Essa sua ganância, ainda irá nos ferrar! Só eu mesmo para entrar nos seus planos”. - Aquela voz não era estranha. Reconheci, a voz era do caseiro de minha casa. Será um seqüestro? Por que isso, afinal meus pais o tinha como membro da família, participava de reuniões, confiava todas as chaves da casa, compartilhava anseios.
Outra voz, agora feminina dizia: “Ora, seu frouxo! Não vamos nos meter em enrascada nenhuma. Só vamos pedir algum dinheiro e logo soltamos a menina”. Minha intuição estava certa, fiquei revoltada com tamanha ingratidão de ambos. A voz feminina era a da empregada, o caseiro e ela pareciam amigos mas nunca imaginei que tramavam algo e juntos. Afinal, ela era um amor, fazia doces e me contava piadas o tempo todo em casa.
Meu Deus, não parava de pensar se meus pais estavam bem, porque eles poderiam perfeitamente ter feito algo contra os dois. E se não fizeram, eles devem estar preocupadíssimos com minha ausência.
Depois de ouvir a conversa, o ódio bateu nos meus olhos. A vontade de sair daquele lugar pavoroso tomou conta do meu ser. Tinha que sair dali e rápido. Não sabia do que aquelas pessoas que achei que conhecia seriam capazes daqui por diante.
Passou-se os dias e eles não me davam espaço. Vi o dia amanhecer e anoitecer, isso umas cinco vezes, depois perdi as contas. Já estava fraca, pois não conseguia comer a comida que me ofereciam e para me manter “saudável” me forçavam a comer, ao tom de ameaças: “Come, se não quem irá sofrer ainda mais que você, serão os seus pais!” – Com muito medo do que aqueles loucos poderiam fazer, comia e depois vomitava.
Um dia me disseram que falaria com meus pais. Não entendi e ao mesmo tempo fiquei feliz e também triste, pois não sabia o que tramavam. Me passaram o celular e quem atendeu foi mamãe, com uma voz trêmula e chorosa e eu disse: “Alô, mamãe! Sou eu, venha me buscar. Não aguento mais. – Ela respondera: “Minha filha, diga onde está! Iremos busca-la, a amamos muito e independente de qualquer queremos você conosco”.
Logo após a ultima palavra de mamãe, senti alguém com um lenço envolvendo algum liquido em meu nariz e adormeci. Era éter. Ao acordar, estava agitada e enchi os “seqüestradores” de perguntas e só ouvia: ”Cale a boca, menina cretina”.
Depois disso, me veio a cabeça que para ter chegado até aquele buraco, devem ter feito a mesma coisa. Lembro-me que cheguei da escola, após um dia bem agitado e cansada depois de uma prova difícil, ao abrir a porta de casa, apaguei!
Apos esse primeiro contato, os outros se tornaram frequentes. Um desses dias, o celular estava próximo e não vi ninguém a vista. Tratei de ligar rapidamente para casa e contei tudo a meus pais e eles disseram que a policia já estava a minha procura. Desliguei o celular e tentei fugir, uma das pessoas do bando aparece e eu disfarço.
Chegam todo o resto do bando bem nervosos, a base de xingamentos e dizem que não sabem o que fazer com o corpo e eu não entendia nada. Até que um dele disse que o caseiro, havia sido morto acidentalmente, por Edson, um dos que outros homens que ali estavam.
Saíram e eu encontrei uma brecha para fugir. Não reconhecia nada e peguei carona com a primeira pessoa que vi e parei em posto policial. Me identifiquei como Isabela Castro, de 13 anos, desaparecida a dois meses. Depois me disseram que eu estava no centro velho de São Paulo, não conhecia nada ali, sempre morei no interior, Jaboticabal.
A policia base da região contatou outros postos e logo meus pais vieram ao meu encontro. Ao afago de seus braços, chegou ao fim aqueles dias intermináveis ao lado daqueles seres desprezíveis.
Hoje, já com 24 anos e formada, lembro-me da história arduamente e luto para colocar na cadeia todo resto do bando que me trouxeram os dias mais infelizes de toda a minha vida. Restam apenas dois.